Ponto Cego do Mercado

Mercado de Atenção: tudo em todo, lugar, ao mesmo tempo

Pedro Carvalho

11 set 2025, 14:34 (Atualizado em 11 set 2025, 14:34)

Em uma dessas manhãs fui surpreendido pela mensagem de um grande amigo, com a indicação de um vídeo “resenhando” o livro “A sociedade do cansaço” de Byung-Chul Han, filósofo sul-coreano. A indicação pareceu bastante pertinente: eu e minha esposa estávamos falando sobre o assunto no final de semana que antecedeu a indicação, sobre como parecemos vítimas de um cansaço persistente, que nunca cessa.

Por trás da sociedade do desempenho existe uma característica fundamental: o acesso à informação, a uma quantidade sem fim de conteúdo. Isso para o bem e para o mal. É provável que “nunca antes na história” tenhamos tido tanto acesso à cursos, livros, mentorias, masterclasses… Por outro lado, nunca tivemos tanto contato com histórias de sucesso e felicidade alheia, o que pode gerar em nós um sentimento de insucesso, incapacidade e ansiedade. Não há tempo a perder! E a responsabilidade pelo seu fracasso é toda sua.

Se você se sente assim, a boa notícia é que você não está só: conversando com amigos e amigas em diversas situações profissionais, é recorrente a sensação de cansaço e de estar devendo algo. A má notícia é que a tendência é que isso piore e o crescimento explosivo do “Mercado da atenção” tem tudo a ver com isso.

Caso você nunca tenha ouvido falar sobre o “Mercado da atenção”, saiba que ele não é novo: já existia muito antes da criação da Internet e das redes sociais – precisamente desde os primórdios da humanidade. Porém o seu alcance ganhou novas proporções com os meios de produção em larga escala, começando pela imprensa, depois o Rádio e a TV.

Fonte: Our World in Data

De lá para cá, diversos catalisadores fizeram com que a competição pela nossa atenção só aumentasse e a Internet, sem dúvida, foi um deles. De repente, as limitações geográficas não eram mais um problema e qualquer um com uma conexão razoável podia ser alcançado. E com a revolução dos mobiles não importa mais onde você está… Só que não parou aí! Nesse exato momento estamos caminhando para uma nova fase do “Mercado de Atenção” e isso tem a ver com o dilema da Quantidade x Qualidade.

Fonte: Edge Delta

Esse assunto não é velho, mas hoje é mais relevante do que nunca. Se você já experimentou produzir algum conteúdo online preocupado com seu alcance, certamente já viveu esse dilema: horas, senão dias, gastas para produzir algo que, no fim, não tem quase nenhuma visualização, enquanto aquele vídeo despretensioso de 1 minuto em uma aula de dança (meu amor, em sua homenagem, rs) atinge visualizações recordes! A regra parece clara: qualidade é subjetiva, quantidade não – produza mais, o tempo todo, sempre. Não precisa entender muito de matemática para perceber que o resultado é uma produção cada vez maior de conteúdo – um conteúdo que a humanidade já não consegue acompanhar faz tempo!

Agora pare para pensar um pouco: como “escolhemos” aquilo que queremos ver no meio de tanta coisa sendo produzida? E a resposta é… Não escolhemos! Vai soar meio clichê, mas quem escolhe é algum algoritmo, que interpreta seus gostos e preferências com base na retenção da sua atenção. E esses algoritmos estão ficando cada vez mais eficientes em seu objetivo, que é capturar a sua atenção.

Isso fica bastante claro quando vemos os resultados das companhias envolvidas no Mercado de Atenção, como Meta, Alphabet, Applovin. A força destes resultados é brutal e a tendência é que ela só aumente à medida que a IA vai entrando mais em cena. Essa é a deixa perfeita para falar um pouco sobre Inteligência Artificial e uma curiosidade: você sabia que um dos papers mais relevantes para a revolução que estamos vivendo hoje se chama “Attention is All you need”?

Fonte: Statista Market Insights, produzido por DataReportal

Sem entrar em detalhes técnicos, os pesquisadores envolvidos (todos da Alphabet) descobriram que ao incluir um mecanismo de “atenção” em algoritmos que já existiam, as respostas se tornavam muito mais coesas e mostravam características humanas, inclusive. Hoje, cerca de 8 anos depois, temos modelos capazes de gerar texto, imagem, áudio e vídeo – o pacote completo para a produção em larga escala de conteúdo sob medida. Imagine o seguinte: enquanto assiste ao seu influencer preferido falar sobre um tema que te agrada, um conteúdo sintético é gerado em tempo real, feito sob medida para você, anunciando algo que te interessa, e esse conteúdo é inserido de forma automática e totalmente fluida no conteúdo original. Você nem nota que foi impactado por um anúncio, pois tudo foi tão natural quanto a indicação de um grande amigo. Qualidade + Quantidade, e o Dilema deixa de existir.

Fonte: Imagem gerada pelo Gemini

Quero fazer um breve disclaimer. Meu discurso até aqui pode parecer contrário à expansão do Mercado de Atenção e à influência das Big Techs, mas essa suposição é um engano. Na verdade, esse é um registro factual, da mesma forma que faria um fotógrafo na natureza selvagem: minha intenção não é fazer uma crítica ou vilanizar ninguém, mas expor a realidade do mundo em que vivemos. 

Além do que já falei, a explosão do Mercado de Atenção criou novas formas de gerar renda, outras dinâmicas sociais e o estouro de muitas bolhas, com confrontos de ideias e ideologias. Hoje temos a possibilidade de conhecer novas culturas, realidades, entretenimentos, autores, ideias de negócio, investimentos, opiniões… Vai longe. 

Para encerrar, vejo com nitidez a expansão exponencial do “Mercado de Atenção”, principalmente com o surgimento de novas interfaces para o “mundo digital” e com a hiperconectividade – você disponível o tempo todo. Os algoritmos, cada vez mais atentos, vão capturar melhor do que nunca os nossos interesses e prioridades, e serão capazes de definir nossa vida de uma forma sem precedentes. Nesse cenário, tenho mais perguntas do que respostas: 

  • Como usar a nosso favor essa maravilha tecnológica? 
  • Como usar esse poder de conexão e criatividade, sem paralelos na história da humanidade, para evoluirmos enquanto pessoas? 
  • E como fazer esse processo reconhecendo nossa atenção limitada, sem nos culpar por não sabermos de tudo, em todo lugar, ao mesmo tempo?

TLDR:  No fluxo do “Mercado da Atenção”, a IA será o seu guia pessoal, criando conteúdo tão sob medida que se passará pela indicação de um amigo. O desafio é se manter como o curador das suas próprias escolhas, garantindo que o algoritmo seja seu assistente, e não o arquiteto da sua vida.

Abraços,
Pedro Carvalho

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