Ponto Cego do Mercado

Mundo Intangível: quando o que não se “vê” é mais valioso

Pedro Carvalho

24 jul 2025, 14:33 (Atualizado em 24 jul 2025, 14:54)


Olá! Para quem não me conhece, sou Pedro Carvalho, analista de tecnologia da Empiricus Asset, e é com grande prazer que apresento o “Ponto Cego do Mercado”, minha nova publicação quinzenal.

Criei este espaço porque o mundo dos investimentos vive uma transformação profunda, impulsionada pela tecnologia, mas as análises convencionais nem sempre capturam essa mudança. O objetivo é justamente investigar e debater as ideias e tendências que o mercado, principalmente o local, pode estar negligenciando.

Para começar, nossa primeira reflexão explora a ascensão dos ativos intangíveis e sua crescente importância.

Seja bem-vindo e boa leitura!


Tem uma coisa que veio com a gente “de fábrica”: a tendência de desconfiar daquilo que não podemos ver nem pegar. É quase instintivo – se não tem peso, se não tem corpo, parece que não vale nada, ou tem pouco valor. Para nossa geração (nasci em 85) e para as anteriores, valor sempre foi algo palpável: parede que se toca, máquina que funciona, terra que se pisa, estoque que se vende e repõe. 

Esse instinto primitivo, perfeito para navegarmos no mundo físico, ainda dita como muita gente investe. Inclusive, muitos investidores acham que investimentos sólidos são aqueles que têm ativo físico, tangível. Tem terreno? Vale. Fábrica? Também vale. Prédio da empresa? Vale. E aquilo que não se vê, que não se pega? “Puxa, difícil medir, então deixa quieto. Vou ficar no tangível”.

Só que essa mentalidade pode custar muito caro se for mantida para os próximos anos. E é sobre isso que quero trocar ideia contigo, indo na contramão do que muita gente acredita: o valor no futuro vai ser cada vez menos mensurável por aquilo que é contabilizado nos balanços das empresas.

Quem já é do mercado me perdoe, mas é importante contextualizar para quem não é: em contabilidade, existe o conceito de Valor Patrimonial e ele está no centro dessa polêmica. Basicamente é a diferença entre tudo que a companhia tem de bens e direitos (Ativos totais) e o que ela tem de obrigações e deveres (Passivos totais). 

A razão entre esse valor e o de mercado (quantidade de ações vezes o seu preço), indicador conhecido como Book-to-Market (B/M), é muito utilizado para distinguir companhias de Valor (Value) das de Crescimento (Growth). De acordo com grandes nomes das finanças, como o laureado do nobel Eugene Fama e seu parceiro intelectual Kenneth French, as companhias de Valor deveriam entregar retornos de longo prazo superiores  aos das companhias de Growth, exatamente por terem um valor intrínseco mais bem precificado pelo mercado (seus B/Ms são maiores que o das companhias de Crescimento). Mas o que isso tem a ver com o valor do futuro? Pode parecer piada, mas de uns tempos pra cá, ele definitivamente não parece estar nas companhias de Valor. Dê uma olhada nesse gráfico:

Fonte: Bloomberg e Empiricus Asset

O que ele mostra é a performance histórica do Russel 1000 (RIY), índice que representa as 1000 maiores companhias dos EUA, e suas derivadas com foco em Value (RLV) e Growth (RLG). Para quem não se recorda, nos anos 2000 tivemos o boom e o estouro da bolha das “ponto com” e o que se seguiu após ela foi um grande derretimento das companhias de Growth. Veja que, apesar deste derretimento, neste período de 30 anos elas tiveram uma performance muito superior às outras estratégias.

Se olharmos após a crise do subprime em 2008, a disparidade entre Growth e Value aumenta ainda mais:

Fonte: Bloomberg e Empiricus Asset

O próximo gráfico mostra o Preço por Valor Patrimonial (o inverso do B/M) para cada uma das estratégias:

Fonte: Bloomberg e Empiricus Asset

Com certeza tem quem olhe esse gráfico e se assuste: “nossa, o P/B está em níveis recordes, similares ao que vimos lá em 2000!”. Aí começam as comparações da Nvidia com a Cisco, grande estrela daquele período. Só que essa é apenas uma forma de ver.  A que eu vejo é diferente: o indicador, por si só, não diz muito, pois hoje o valor intrínseco provavelmente está mais perto do preço do que do valor patrimonial contábil. Isso tem tudo a ver com a evolução tecnológica vista nos últimos anos e o poder dos ativos intangíveis (incapazes de serem contabilizados precisamente). Se olharmos esse indicador “de cabeça para baixo”, o que ele nos mostra, em alguma medida, é o grau de intangibilidade de cada um desses índices:

Fonte: Bloomberg e Empiricus Asset.
Intangibilidade é igual à 1 – B/P.

Agora, pare e pense comigo: a cada clique/toque na tela e a cada linha de código, a economia vai se afastando do tangível e caminha para outro lugar, mais sutil, mais difícil de pegar. Isso não é um movimento que começou hoje, mas um processo que já vem se  desenrolando desde a década de 90, com a popularização dos PCs e da Internet, e vem se acelerando cada vez mais. Veja outro gráfico, dessa vez do S&P 500, índice que reúne as 500 maiores companhias listadas nos EUA:

Fonte: Bloomberg e Empiricus Asset

O que ele mostra é um processo que, sim, teve seu período de excesso, mas ganhou tração depois de 2008 – uma grande crise de ativos reais – e 2020 – quando a secular tendência da digitalização ganhou um grande empurrão com o “fique em casa”.

 A curva vem subindo e não é pouca coisa. Isso porque a base das gigantes que a impulsiona são algoritmos, patentes, marcas, dados, e muito talento humano, gente que precisa pensar mais rápido que a concorrência num mercado altamente competitivo – para manter suas vantagens competitivas. Essa parte não se vê claramente nos balanços, mas é o intangível que gera valor. E não — isso não é uma “economia paralela”, um joguinho digital que flutua em cima da “economia real”. É a própria realidade mudando de formato.

Será que esse P/B elevado não é mais uma consequência da nossa incapacidade de precificar devidamente o intangível? A minha suspeita é que sim. Veja só a relação entre o valor de marca, não contabilizado nos balanços, e os ativos tangíveis das 6 maiores companhias do mundo (em valor de mercado):

Fonte: Bloomberg, Relatórios Brand Finance Global 500 e Empiricus Asset

Se você ainda acha que existem dois mundos — um feito de coisa palpável, tangível, e outro de abstrações -, tenho uma má notícia: esse é um pensamento analógico num mundo que já virou digital. Os negócios continuam sendo reais, só que deixaram de precisar de matéria para crescer e talvez seja exatamente essa falta de requisito que tenha impulsionado o crescimento dos últimos anos!

Lá em 2011, Mark Andreessen disse que “o software está devorando o mundo” — só que ele estava falando de algo muito maior, mais invisível e poderoso: o intangível já estava comendo o tangível, dominando o jogo sem alarde. Software é só a ponta do iceberg, uma das formas que o intangível tomou para mostrar sua força. 

Negócios baseados em ideias, dados e marca têm uma vantagem bruta e real: eles não precisam de tanto estoque, nem de fábrica própria, nem de endereço físico. O limite para o crescimento deles é outro — a ambição de quem fundou, a coragem de quem investe, a confiança de quem compra. Enquanto tiver gente sonhando junto, eles crescem — e crescem de verdade. Uma das minhas grandes influências já reconhecia isso, lá na década de 50: o seu nome é Philip Fisher e ele é tido como o pai do Growth Investing.

Para Fisher, os negócios extraordinários não eram encontrados pela análise quantitativa de seus balanços, mas pela análise qualitativa de sua gestão, de sua cultura, de seus investimentos em inovação, P&D e talentos – percebe como tudo isso é intangível?

Antes de terminar, quero contar um “anedótico”, como o João Piccioni, nosso CIO, costuma dizer. Quando o conheci, em um café da manhã para investidores e assinantes da Empiricus, me lembro de um dos participantes que questionou a alocação de Nvidia no fundo Tech Select. Ele dizia: “João, a Nvidia está em $700 e alguma coisa. Não está caro demais? Não é hora de vender?”. Recordo que João riu e não me lembro o que mais disse, mas a companhia continuou no fundo. Hoje, ela vale mais do que o dobro e foi a primeira a superar a marca dos $ 4 trilhões – se não considerarmos o último split de 10 para 1, o valor da ação estaria em $ 1.700,00. 

Por que continuar tentando enfiar esse mundo novo nas velhas molduras do valuation tradicional? 

Assim como o mercado, o mundo será cada vez mais intangível e isso vai acontecer — com ou sem você. Essa nova realidade não tem cheiro de óleo, nem barulho de máquina — ela vibra na nuvem, em bytes, em pessoas. E como não podia deixar de mencionar, na minha humilde opinião, a Inteligência Artificial vai acelerar ainda mais esse processo, com a Nvidia puxando na ponta, diga-se de passagem. 

TLDR:  não perca muito tempo questionando o preço, porque senão vai perder o valor de vista. E se você pensa em investir em “valor pra valer”, o intangível é o novo concreto e quanto mais cedo entender isso, maior vai ser o colchão onde você vai se deitar no futuro.

Abraços,
Pedro Carvalho

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