Carta do Gestor

Carta Tech Select | Nas bordas da inovação

João Piccioni

8 set 2025, 10:56 (Atualizado em 8 set 2025, 11:00)

Quando nos deparamos com gigantes como Microsoft, Apple ou Google, é bastante óbvio o porquê dessas companhias estarem onde estão: ferramentas para o dia-a-dia, serviços indispensáveis, produtos incríveis. Isso não quer dizer que não existiram dúvidas ou hesitações quando elas começaram suas empreitadas ou apresentaram seus planos de negócio no passado. 

Hoje não é diferente e o que não faltam são oportunidades para investir em companhias que ainda representam uma fração do que podem vir a valer no futuro. Nesse momento nos perguntamos “quem serão essas companhias”, mas para encontrá-las o ideal é refletir sobre quais serão as tendências impulsionadoras para o futuro e a partir daí encontrar as companhias que se posicionam nelas. Nesse sentido, existem duas tendências que valem o nosso olhar atento: DeFi – finanças descentralizadas – e Cloud Computing para IA.

Nas próximas seções iremos apresentar melhor essas tendências e como as duas companhias estão muito bem posicionadas para capturá-las, em nossa visão. 

Tendência #1: reconstruindo o Sistema financeiro na Era Digital

Para entender o que torna a tendência DeFi tão importante, precisamos primeiro olhar brevemente para o sistema que usamos atualmente e as operações que realizamos no dia a dia. Considere uma transferência bancária, um pagamento com cartão de crédito ou a contratação de um empréstimo. O que todos esses exemplos têm em comum? A existência de uma figura central que valida e processa a operação – um banco, uma operadora de cartão ou instituição financeira.

Esse é um modelo baseado em intermediários a quem confiamos nosso dinheiro e nossos dados para que garantam a ocorrência segura das transações. Apesar de funcional, gera custos, burocracia e, em muitos casos, exclui uma parcela relevante da população global que não tem acesso aos serviços bancários tradicionais.

É a partir daí que surge uma pergunta fundamental: é possível criar um sistema financeiro aberto, automatizado e que não dependa de uma autoridade central? Essa é a provocação que dá origem ao conceito de DeFi, ou finanças descentralizadas.

Essencialmente, DeFi é um ecossistema de serviços de aplicações financeiras construído sobre tecnologias de blockchain. Em português claro, em vez de depender de instituições e pessoas para validar transações, as regras do sistema financeiro são escritas em programas transparentes e auto executáveis, eliminando a necessidade dos intermediários.

Nesse ecossistema, os criptoativos – como o Ethereum (ETH) – funcionam como o “combustível” que alimenta as operações na rede e, mais importante, como o próprio valor que é negociado, emprestado ou utilizado como garantia (colateral) nessas novas plataformas financeiras.


Smart Contracts e Blockchain

Se no sistema tradicional a confiança está nas instituições, no DeFi a confiança está na tecnologia. Nesse sentido, dois componentes são essenciais para que isso funcione de maneira segura e automática: os Contratos Inteligentes e a Blockchain.

O papel dos Contratos Inteligentes

Os contratos tradicionais são documentos (digitais ou analógicos) que descrevem regras e dependem de advogados e cartórios para ser executado. Quando estes intermediários não existem, seria preciso que os contratos se executassem sozinho, de forma automática e infalível, assim que as condições de sua execução fossem cumpridas. E é exatamente isso que acontece com os contratos inteligentes – daí o seu nome.

A definição precisa é a seguinte: um smart contract é um programa de computador que executa os termos de um acordo assim que forem satisfeitos. Por exemplo, “se a Pessoa A depositar 100 unidades da criptomoeda X, libere para ela 1 unidade da criptomoeda Y”. Essa automação é o que torna o DeFI tão ágil e eficiente, operando 24 horas por dia, 7 dias por semana e sem nenhuma intervenção humana.

Blockchain como Cartório Digital

Naturalmente, você pode estar se perguntando: “Mas onde esses contratos inteligentes estão registrados”? E é aí que entra a blockchain.

Se o Smart Contract é o acordo, a blockchain é o cartório digital onde esse acordo é registrado e validado. Cada transação processada por um contrato inteligente é agrupada em um “bloco” e adicionada a uma “corrente” de transações anteriores, criando um registro histórico de tudo que já foi transacionado.

É imprescindível que esse registro possua três características para que funcione corretamente: transparência, imutabilidade e descentralização. Ou seja, qualquer pessoa pode auditar anonimamente as transações e regras dos contratos; uma vez que as transações são registradas, elas não podem ser alteradas ou apagadas, garantindo a integridade do sistema e evitando fraudes; e a informação não fica em um único servidor, mas é distribuída e validada por um rede de milhares de computadores ao redor do mundo, garantindo um funcionamento constante e sem risco de falha total no sistema.

 Em resumo, é da combinação de contratos inteligentes com a blockchain que surge um novo sistema financeiro, ao mesmo tempo autônomo e confiável, e sem a necessidade de um intermediário central.


Aplicações práticas: Construindo um novo mercado financeiro

Agora que já explicamos a tecnologia por trás do DeFi, vamos explorar o que ela é capaz de construir. O ecossistema já recria diversas funções do mercado tradicional, de forma aberta e automatizada. Vemos isso em plataformas consolidadas para empréstimos, onde é possível depositar cripto ativos para render juros ou usá-los como garantia para obter crédito em minutos, e também em corretoras descentralizadas (DEX), que permitem a troca de milhares de ativos digitais diretamente entre usuários, sem a custódia de uma companhia central.

Contudo, a inovação mais crucial para a estabilidade e crescimento futuro do DeFi seja a ascensão das Stablecoins. Um dos maiores desafios para o uso de criptomoedas como o Bitcoin ou o Ethereum no dia a dia é a sua volatilidade, já que se o valor do ativo pode variar drasticamente em poucas horas, torna-se impraticável usá-lo para transações cotidianas (para quem viveu os anos de hiperinflação no Brasil isso foi sentido na prática). 

É exatamente esse problema que as stablecoins endereçam. Elas são um tipo de criptoativo projetado para manter um valor estável, pois seu preço é “ancorado” a um ativo do mundo real, geralmente buscando uma paridade de um para um com o dólar americano. E o papel delas no ecossistema é multifacetado, além de fundamental.

Primeiramente, trazem previsibilidade, pois servem como uma unidade de conta confiável. Então, em vez de negociar ativos voláteis como o Bitcoin, usuários podem realizar transações e registrar lucros em um valor que conhecem e confiam, o que torna o planejamento financeiro dentro do mundo cripto uma realidade.

Adicionalmente, essa estabilidade as transforma em porto seguro digital. Considere que os investidores podem proteger seu capital da volatilidade do mercado sem precisar sair do ambiente cripto, simplesmente trocando seus ativos por uma Stablecoin enquanto aguardam o momento certo para reinvestir. Por fim, sua simplicidade e segurança faz com que seja a ponte mais segura e intuitiva entre o sistema financeiro tradicional e o DeFi, funcionando como a principal porta de entrada para novos usuários e companhias.

Em suma, as Stablecoins funcionam como o “sangue que corre nas veias” do DeFi: fornecem a estabilidade necessária para que as finanças descentralizadas evoluam de um nicho especulativo para se tornarem uma infraestrutura financeira robusta e utilizável em escala global. Qualquer plataforma ou companhia que facilite o uso e a transação de stablecoins está, portanto, em uma posição estratégica fundamental e é aí que entra a Circle, um dos nossos cases de fronteira.

Circle e a construção da infraestrutura do Dólar Digital

Se as Stablecoins são o sangue, a Circle certamente é uma das principais arquitetas do coração que o bombei nesse ecossistema financeiro digital. É por meio de seu produto estrela, o USDC, que a companhia se posicionou como um pilar de confiança e estabilidade no mercado, tornando-se uma peça fundamental para o presente e futuro da economia.

Sua história começa em 2013, quando foi fundada por Jeremy Allaire e Sean Neville. Sua visão original era facilitar transferências de dinheiro através da tecnologia do Bitcoin, em uma tentativa inicial de criar uma plataforma global de pagamentos. Essa jornada deu à companhia um profundo conhecimento sobre os desafios e oportunidades da nascente economia digital.

A grande virada ocorreu em 2018, quando lançou o USD Coin (USDC) em uma parceria estratégica com a já gigante Coinbase. Este não foi um passo isolado, mas um movimento calculado para resolver a principal dor do mercado: a necessidade de um dólar digital confiável, transparente e em conformidade com as regulações. E foi assim que a companhia estabeleceu uma forte relação de confiança com seus usuários.

Imagem 1 – Jeremy Allaire, co-fundador e CEO da Circle

Em linha com a confiança adquirida, a Circle afirma que cada USDC em circulação é lastreado de 1 para 1 por ativos de alta qualidade, como dinheiro em caixa e títulos de curto prazo das Treasuries americanas. Para comprovar a prática, a companhia fornece relatórios e atestados de reservas, dando aos seus usuários institucionais e de varejo a segurança de que seu dólar é, de fato, um dólar. Desta forma ela se posiciona muito mais como uma ponte entre o sistema tradicional e o novo, apoiado em DeFi.

Hoje, a capitalização de mercado do USDC ultrapassa os USD 60 bilhões, com um volume de transações que já chegaram a trilhões de dólares anualmente, evidenciando seu papel crítico no mercado. Quanto ao futuro, a Circle busca estabelecer o USDC como padrão para pagamentos na internet, um verdadeiro dólar digital que pode ser movimentado de forma tão instantânea e barata quanto um email.

Em retrospecto, sua postura pró-regulamentação, que antes poderia parecer conservadora e até contraproducente, revela-se sua maior vantagem competitiva e a posiciona como parceira dos órgãos reguladores, tão importantes no cenário crescente de escrutínio governamental sobre os ativos digitais. É assim que ela irá garantir seu domínio e crescimento  a longo prazo como a infraestrutura segura e confiável do dólar digital.

Gráfico 1 – Participação do USDC no volume de negociação das stablecoins no setor de DeFi

Tendência #2: Cloud computing e a revolução digital

Para entender a gigantesca oportunidade que a IA está criando para os provedores especialistas de Cloud, primeiro precisamos falar sobre a tecnologia que tornou o mundo digital moderno possível: a computação em nuvem, ou Cloud Computing.

A melhor forma de compreendermos essa tecnologia é por meio de uma analogia com a energia elétrica. No início do século passado, se uma indústria quisesse operar suas máquinas, ela precisava construir e manter seu próprio gerador de energia – um processo custoso, complexo e extremamente ineficiente. É cômico pensarmos nisso hoje em dia, pois simplesmente nos conectamos à vasta rede elétrica e pagamos apenas pelo que usamos.  Agora troque energia elétrica por poder computacional e você vai entender bem o papel da “Computação na Nuvem”. Em vez das empresas comprarem, configurarem e manterem seus próprios servidores em salas refrigeradas (um processo custoso, complexo e ineficiente), elas podem “alugar” poder de computação, armazenamento e um infinidade de serviços diretamente da “nuvem” – gigantescos Datacenters espalhados pelo mundo -, com a mesma facilidade com que se acende uma luz.

Essa revolução já era sonhada desde a década de 50, mas foi em 2006 que começou a ganhar tração, encabeçada por 3 das 5 Big Techs: Amazon com o AWS, Microsoft com o Azure e a Alphabet com o Google Cloud. Elas foram as responsáveis por construírem a “rede elétrica” da era digital, uma infraestrutura global robusta que se tornou a espinha dorsal de quase tudo o que fazemos online hoje em dia. Das startups nascidas “em garagens” até os maiores bancos e governos mundo afora, passando pelos serviços de streaming que assistimos e os e-commerces/marketplaces onde compramos, tudo acontece, em grande parte, sobre as bases criadas por essas gigantes. 

A Explosão da Inteligência Artificial Generativa

No entanto, a recente avassaladora explosão da Inteligência Artificial, impulsionada por modelos como o Chat GPT e geradores de imagem/vídeo, criou uma fome por um tipo de poder computacional completamente novo e muito mais voraz. Treinar e operar esses modelos exige uma capacidade de processamento que a infraestrutura generalista da “nuvem” tradicional (baseada principalmente em CPUs) não foi originalmente projetada para otimizar. O gargalo, e ao mesmo tempo a chave para tudo isso, está em um componente específico e escasso: a GPU.

Esses chips, popularizados pela Nvidia, são os mais aptos para realizar os trilhões de cálculos paralelos necessários para dar vida à IA. A demanda se tornou tão intensa que gerou uma escassez global e uma consequente corrida por esses componentes e é uma das grandes causas do lugar de destaque e poder que a Nvidia possui atualmente. Além da demanda natural pela soft-AI (chatbots, geradores de imagem integrados, entre outras amenidades), existe uma demanda pela hard-AI, clientes que exploram os limites dos modelos e que estão trabalhando diretamente com o desenvolvimento dessa tecnologia: para esses clientes, existe um vácuo no mercado que os Hyperscalers não estão focados em atender. É daí que surge a oportunidade para os provedores especializados.

A oportunidade para os provedores de Nuvem Especialistas em IA

Em vez de atenderem ao público amplo, com necessidades variadas em, normalmente menos custosas computacionalmente, os novos provedores de cloud foram idealizados com um único propósito: projetar e operar a melhor infraestrutura do mundo para rodar cargas de trabalho de Inteligência Artificial em larga escala. Essas companhias oferecem vantagens competitivas claras nesse nicho, com uma arquitetura otimizada para que milhares de GPUs funcionem em perfeita harmonia, como um único supercomputador, entregando mais performance para as tarefas de IA. Por terem um foco singular, conseguem oferecer esse poder de forma mais eficiente e, muitas vezes, com um custo-benefício superior.

Talvez o mais importante seja o acesso privilegiado ao hardware mais cobiçado do planeta. A partir do estabelecimento de parcerias estratégicas diretas com fabricantes como a Nvidia, esses especialistas garantem um lugar na primeira fila para receber os chips mais novos e potentes, um diferencial competitivo imenso em um mercado definido pela escassez.

Essa combinação de especialização, performance e acesso ao hardware criou o ambiente perfeito para o surgimento de novos players e dar fôlego aos tradicionais, como a Oracle. É nesse nicho de alta performance e demanda explosiva que uma companhia se destaca, tendo previsto essa necessidade e se posicionado de forma única para capturá-la: o nosso segundo caso, a CoreWeave. 

CoreWeave: na vanguarda dos Especialistas em IA

Fundada em 2017 por Michael Intrator, Brian Venturo e Brannin McBee, a CoreWeave possui uma história fascinante que começa no mundo cripto. Ela não nasceu para ser uma potência de IA, mas sim como uma operação de grande escala para a mineração de criptomoedas, especificamente a Ethereum. Nesse processo, seus fundadores se tornaram especialistas em uma habilidade que viria a ser crucial: adquirir, otimizar e operar Data Centers repletos de milhares de GPUs. 

Quando a rede Ethereum passou por uma grande atualização – “The Merge” -, que tornou a mineração por GPUs obsoleta, a CoreWeave se viu diante de uma ameaça existencial. Contudo, em um dos pivôs de negócio mais notáveis dos últimos anos, a companhia apostou na iminente explosão da IA e redirecionou toda a sua infraestrutura e expertise para atender a essa nova e insaciável demanda por poder computacional.

Hoje, o seu grande diferencial reside em sua performance bruta e nas suas parcerias estratégicas. O que distingue a sua oferta das demais é a integração e sinergia de seus datacenters, consequência da utilização de redes de altíssima velocidade (como a InfiniBand da NVIDIA), para conectar todos os processadores de forma que operem como um supercomputador único e coeso. Com isso, a CoreWeave entrega uma capacidade de treinamento de modelos de IA que os grandes provedores, mais generalistas, têm dificuldade de igualar. Esse foco absoluto em performance forjou a sua aliança estratégica com a Nvidia, tornando-a prioritária no recebimento dos novos chips, uma grande vantagem competitiva em um cenário de grande escassez e busca pelos semicondutores mais avançados.

Quando olhamos para o futuro, a companhia parece bem posicionada para se consolidar como a “rede elétrica” da IA de ponta em larga escala, uma plataforma padrão para aqueles que buscam poder computacional massivo.

Imagem 3 – Primeira implantação do NVIDIA GB300 NVL72, em parceria com a Dell, Switch e Vertiv

A gestão do fundo

Em um cenário de notáveis contrastes, o último trimestre revelou um mercado de duas velocidades. De um lado, uma euforia impulsionada pelo avanço da Inteligência Artificial; do outro, uma cautela generalizada, moldada por um ambiente geopolítico e econômico repleto de desafios.

A locomotiva dessa tendência otimista foi, sem dúvida, a IA e seus ecossistemas. Setores como semicondutores, robótica e cibersegurança continuaram a atrair a maior parte da atenção e do capital. O apetite por inovação foi tão intenso que, mesmo com um arrefecimento geral em relação ao frenesi de anos anteriores, o capital de risco para startups de IA permaneceu extremamente robusto, culminando em rodadas de financiamento recordes. 

Essa força não se limitou ao mercado privado. Nas bolsas americanas, o crescimento foi notável, liderado pelos setores de Tecnologia (XLK), Comunicações (XLC) e Consumo Discricionário (XLY). Confirmando essa aposta estrutural, as Big Techs – Microsoft, Amazon, Meta e Alphabet – ampliaram seus planos de investimento de capital (CAPEX), projetando um total de US$ 315 bilhões para este ano, majoritariamente destinados à infraestrutura que sustentará a próxima geração da IA.

Gráfico 2 – Performance dos setores de acordo com a classificação GICS
Gráfico 3 – Histórico de CAPEX desde 2014 e previsto para 2025. Fonte: Sherwood Media group e Balanço Trimestral das Companhias

Contudo, essa euforia setorial não ocorreu em uma bolha. O mercado mais amplo operou sob um clima de comedimento, diretamente influenciado pela política do Federal Reserve. Apesar da economia americana se mostrar mais robusta do que o previsto, a inflação persistente, ainda acima da meta de 2%, forçou o banco central a manter uma postura cautelosa. Esse ambiente de juros “mais altos por mais tempo” (higher for longer) mudou as regras do jogo para os investidores.

Gráfico 4 – Índices de Inflação nos EUA. Todos estão melhores em relação ao pico de 2022, apesar de ainda estarem acima da meta de 2% do Fed. Fonte:  Departamento do Comércio e Bureau of Labor Statistics (BLS)Performance dos setores de acordo com a classificação GICS

A prova mais clara dessa nova realidade foi a lenta recuperação do mercado de IPOs. A expectativa de uma reabertura, que surgiu após a eleição de Trump, materializou-se de forma gradual, com investidores agora exigindo caminhos claros para a lucratividade – uma forte guinada em relação à mentalidade do “crescimento a qualquer custo” vista no pós-pandemia. Essa busca por segurança e disciplina financeira se tornou a norma.

Gráfico 5 – Novos IPOs nos EUA desde 2020 – Dados compilados em 04/07/2025. Fonte: S&P Global Market Intelligence

Adicionando uma camada de complexidade, as persistentes tensões comerciais, com os Estados Unidos no centro do debate, criaram um ambiente desafiador para multinacionais. Gigantes como a Apple, por exemplo, foram forçadas a reavaliar estratégias globais, e a incerteza geral atuou como um freio para fusões, aquisições e planos de expansão mais ambiciosos.

Comportamento do Dólar

Como reflexo direto desse panorama, a trajetória do dólar oferece uma visão fascinante. A força da economia americana e os juros elevados sustentaram a moeda, levando investidores estrangeiros a acumularem mais de US$ 30 trilhões em ativos americanos. Notavelmente, estima-se que quase metade dos US$ 8 trilhões detidos por europeus não possua proteção cambial (hedge), sinalizando uma aposta na contínua valorização do dólar.

Gráfico 6 – Evolução do Dólar ao longo do trimestre. Fonte: Koyfin

Entretanto, uma sutil mudança de posicionamento começou a surgir. Dados preliminares indicam que, a partir do segundo trimestre, a busca por hedge ganhou tração. Se essa tendência continuar, pode sinalizar que, embora o otimismo com a América persista, a confiança na valorização inabalável de sua moeda pode estar sendo revisitada.

Movimentações da carteira

Neste último trimestre, o fundo foi beneficiado pelo forte rali impulsionado pela resiliência e inovação do setor de tecnologia, que se tornou o principal motor do mercado global. Nossas posições em gigantes como a NVIDIA e outras companhias de semicondutores e infraestrutura para IA, como Broadcom, Coherent, AMD e Marvell, foram os destaques. A força dessas companhias, impulsionada pela crescente demanda por inteligência artificial, superou os desafios macroeconômicos do período. Além disso, a estratégia de alocação em companhias de Advertising, como AppLovin, Meta e Alphabet, também foi crucial para o resultado positivo.

A forte valorização do mercado, que atingiu novos recordes, foi marcada por uma divergência significativa entre o desempenho de setores e empresas. Por conta desse cenário, fizemos reduções e aumentos táticos de nossas posições, capitalizando os movimentos de alta e, em muitos casos, antecipando as tendências. 

No entanto, outras movimentações foram menos bem-sucedidas. Tivemos perdas em posições como PDD, BYD e Meli. Os dois primeiros foram prejudicados pela incerteza prolongada no relacionamento entre EUA e China e a aplicação de tarifas, que gerou um cenário de cautela para empresas com forte exposição ao mercado chinês. Já o papel de Meli foi impactado por uma volatilidade acentuada, em parte devido à incerteza política e econômica no Brasil, que resultou em uma saída relevante de capital estrangeiro. Finalmente, o setor de Healthcare, que atuou de forma defensiva no trimestre anterior, se mostrou um grande ofensor neste último. Nossos cases, como Eli Lilly e Boston Scientific, seguiram a tendência negativa do setor, afetando de forma relevante nosso fundo.

Relativo às entradas, podemos segmentá-las entre táticas e estruturais. No primeiro grupo, destacamos AMD, Marvell e IBM, posições que já encerramos ou encerraremos no próximo trimestre. No segundo grupo, que representa apostas de mais longo prazo, destacamos o retorno da Oracle, além de Circle, CoreWeave, Coherent e Coinbase. Quanto às saídas, elas foram feitas tanto para realizar lucro quanto para aumentar a aderência da carteira à nossa estratégia. Nesse sentido, destacamos a saída de posições em PDD, Amazon, BYD e Constellation Software.

Um ponto crucial para nossa performance foi o gradativo aumento de exposição em CoreWeave. Apesar de nos beneficiarmos das sucessivas altas após o IPO, o papel não manteve a inércia que esperávamos. Por isso, optamos por reduzir nossa exposição para gerenciar o risco e evitar perdas maiores.

No saldo final, continuamos positivos, embora a performance tenha ficado ligeiramente abaixo dos principais benchmarks, como o S&P 500 e o Nasdaq. Para o próximo trimestre, reestruturamos nossa carteira para manter uma exposição significativa às grandes companhias de tecnologia, que continuam sendo as principais catalisadoras do movimento de alta do mercado. Além disso, buscamos incluir outras empresas incumbentes com grande potencial de valorização, como AppLovin, Oracle e Netflix.

Breve apresentação da Coinbase e Coherent

Coherent: Com a crescente demanda por poder computacional na era da Inteligência Artificial, os data centers operam em escalas cada vez maiores, tornando a transferência de dados em altíssima velocidade um aspecto crítico. Para que o processamento massivo de informações funcione, é fundamental que elas trafeguem entre os servidores de forma quase instantânea. É nesse cenário que a Coherent se destaca, consolidando sua liderança no mercado de fotônica. A empresa fornece componentes ópticos e lasers de alta potência essenciais para as redes de última geração, posicionando-se como uma fornecedora indispensável para sustentar o crescimento e a eficiência da indústria de IA.

Coinbase: Ao pensarmos em criptoativos, a Coinbase se destaca como um nome incontornável. Fundada em 2012, ela se diferenciou de suas concorrentes mais antigas ao focar intensamente na conformidade regulatória. Essa estratégia a posicionou como um canal fundamental para a adoção em massa de ativos digitais, especialmente as stablecoins como a USDC. Com sua infraestrutura robusta e reputação sólida, a Coinbase não apenas impulsiona o crescimento desses ativos, mas também fortalece sua posição como uma das exchanges mais confiáveis do mercado.

Performance Acumulada

Nos últimos doze meses (de 31/08/2024 até dia 15/08/2025), o retorno proporcionado pelo Empiricus Tech Select FIA BDR Nível I alcançou os 8,53%. Já no ano, o fundo apresenta queda de -10,34%. Desde seu início (09/06/2020), o fundo apresenta uma rentabilidade de 101,45%.

Gráficos 7, 8 e 9 – Performance Acumulada nas janelas de 3 meses, 12 meses e Year To Date

Carteira Alvo

A carteira alvo que está vigorando em ago/25 pode ser vista na tabela abaixo.

Tabela 1 – Alocação alvo do Tech Select FIA em ago-25
Diagrama 1 – A composição do Tech Select

Detalhamento dos Cases

CirCircle:

Em seu primeiro relatório trimestral como companhia de capital aberto, a Circle apresentou um crescimento robusto de 53% em sua receita na comparação anual (YoY), impulsionado pela ampla adoção do USDC, cuja circulação expandiu 90%. No entanto, a companhia registrou um prejuízo líquido significativo, majoritariamente em função de despesas não-caixa de US$ 424 milhões relacionadas à compensação baseada em ações (SBC), decorrentes de seu recente IPO.

Para contextualizar a operação, a companhia detém US$ 65,3 bilhões em reservas de USDC e processou um volume de transações on-chain de US$ 6 trilhões no segundo trimestre — com uma aceleração notável em julho, que sozinho registrou US$ 2,4 trilhões. É a partir desta base que derivam suas principais fontes de receita: os juros gerados pelas reservas e as taxas transacionais.

Ciente da necessidade de diversificar suas receitas, a gestão tem expandido ativamente suas frentes comerciais. Impulsionada pelo IPO e pela aprovação do GENIUS Act, a Circle firmou parcerias com gigantes do pagamento como Stripe, Visa e Mastercard, e com provedores de infraestrutura bancária como a Fiserv. Em paralelo à expansão no setor de pagamentos, a companhia também avança no mercado de capitais com o USYC, seu token de rendimento. A recente integração do USYC como colateral na Binance, maior exchange do mundo, representa um passo estratégico para inserir produtos de renda fixa tokenizados no centro do ecossistema financeiro digital.

O objetivo central da Circle é se estabelecer como a principal referência em stablecoins de dólar, um mercado com vasto potencial de crescimento, visto que as stablecoins representam hoje apenas 1% do agregado monetário M2. Embora não seja a maior em valor de mercado, seu status como a maior rede regulada de stablecoins do mundo a posiciona como a escolha natural para instituições que priorizam conformidade e segurança.

A aposta mais ambiciosa da Circle é o lançamento da Arc, sua própria blockchain de camada 1 (Layer-1), um movimento que busca transformar a empresa de uma companhia de produto para uma de plataforma. Embora o risco seja elevado, a Arc foi projetada especificamente para atrair o capital institucional, oferecendo vantagens como o pagamento de taxas de rede em USDC, finalidade de transação garantida e recursos de privacidade configuráveis. Caso a Arc ganhe tração, a Circle deixará de ser apenas a emissora de uma stablecoin proeminente para se tornar a dona de uma infraestrutura fundamental para a nova economia digital tokenizada.

Apesar do otimismo, persistem pontos de atenção, como a jornada rumo à lucratividade e a concorrência crescente — desafios inerentes a uma empresa de alto crescimento com um plano de investimentos ambicioso. Concluímos, no entanto, que a robusta estrutura regulatória da Circle, aliada a suas iniciativas estratégicas como a blockchain Arc, a posiciona de forma única para superar esses obstáculos e capturar a enorme oportunidade de se firmar como uma infraestrutura basilar do sistema financeiro digital.

CoreWeave:

Algumas companhias possuem o desafio da falta de demanda e ampliação de mercado, mas definitivamente este não é o enfrentado pela CoreWeave. Isso é evidenciado pela receita apresentada em seu último resultado trimestral — US$ 1,21 bilhão, um crescimento de 206,75% YoY (na comparação anual). No entanto, a companhia possui outros desafios.

Um deles tem a ver com a capacidade de sustentar esse crescimento. Atualmente, a companhia possui cerca de US$ 30,1 bilhões de receita contratada (backlog), o que é uma ótima notícia para os investidores: isso quer dizer que a demanda pelos serviços prestados é bastante robusta. No entanto, isso também implica em uma necessidade maior de investimentos — o que é comum para companhias de hipercrescimento. E enquanto a companhia está nessa fase de expansão, veremos indicadores-chave, como Lucro Líquido e Fluxo de Caixa Livre (FCF), em patamares negativos. O importante nesse caso é acompanharmos a evolução destes indicadores à luz da receita gerada, do nível de endividamento e do retorno sobre o capital investido.

Outros dois pontos de atenção, que em nossa visão são menos críticos no momento, dizem respeito à concentração da carteira de clientes — mais de 70% da receita advém de contratos com a Microsoft e OpenAI — e à obsolescência das GPUs adquiridas. Sobre o primeiro, não o vemos com tanta criticidade, pois a demanda por soluções de IA tem movimentado toda a cadeia de suprimentos, gerando gargalos principalmente para os Hyperscalers. Por conta de sua parceria estratégica com a Nvidia, a CoreWeave teria condição de “cobrir este gap” e se manter como um fornecedor relevante para os parceiros que já possui. Sobre o segundo, mesmo com a necessidade de manter seu hardware mais atualizado à medida que a Nvidia traz novas tecnologias, o hardware “defasado” ainda possuiria um poder computacional formidável e poderia ser direcionado para outros tiers de serviço da CoreWeave, normalmente relacionados a Inferência, em que a necessidade de soluções de ponta não é tão crítica.

Finalmente, vemos um caminho bastante promissor, principalmente quando consideramos movimentações recentes da companhia: a aquisição da Weights & Biases e da Core Scientific — esta última ainda em andamento. A primeira reforça a posição da CoreWeave no nicho de computação de altíssima performance focada em desenvolvimento de modelos de IA, solidificando seu papel de especialista. A segunda tem a ver com verticalização e amplia a sua capacidade de crescimento, com melhora da sua margem operacional — principalmente por conta da redução de custos de locação e energia.

Confirmada a capacidade da gestão da companhia em gerir este crescimento de forma sustentável — o que acreditamos, com base na experiência de seus executivos no segmento de datacenters —, o seu lugar certamente estará garantido entre os principais Hyperscalers globais.

Considerações finais e Expectativas

A trajetória da economia global pode ser contada como uma sucessão de atos de inovação, quase sempre indissociáveis do avanço tecnológico. Da máquina a vapor aos semicondutores, da eletricidade à inteligência artificial, cada salto ampliou horizontes e redefiniu as fronteiras da possibilidade. A inovação, quando traduzida em novas tecnologias, deixa o plano das ideias e se torna instrumento de transformação concreta: molda indústrias inteiras, cria novos mercados e altera a forma como as sociedades interagem. É nesse terreno fértil de rupturas sucessivas que surgem também as “bordas” — espaços ainda pouco iluminados, onde companhias emergentes começam a desenhar os mapas do futuro.

Nosso objetivo ao longo desta edição da Carta do Tech Select foi justamente explorar como a inovação se dá muitas vezes nessas margens, em empresas ainda em estágios iniciais de maturação (ainda que já bilionárias em valor de mercado) e que carregam o potencial de se tornar alicerces da próxima etapa de crescimento estrutural. O pano de fundo permanece o mesmo: a tecnologia continua como o vetor central de transformação econômica, mas o que se altera é a forma de capturar essas oportunidades. Ao alocarmos uma parcela dos recursos do fundo em companhias que estão na fronteira, como a Circle e a CoreWeave, procuramos equilibrar o presente com a construção das bases do futuro.

Essa linha de raciocínio conecta-se diretamente à lógica dos Três Horizontes de Crescimento, explorada em nossa Carta Mensal de Setembro/25. A alusão à ferramenta estratégica desenvolvida pela McKinsey reforça a importância de se manter ativos em diferentes fases de maturação. No caso do Tech Select, as Big Techs são mais do que o núcleo da carteira: representam a síntese de escala, disciplina de capital e capacidade de execução que o mercado hoje mais valoriza. Companhias como AppLovin, Netflix, Eli Lilly e Sea Limited formam o segundo horizonte, de negócios adjacentes que se beneficiam das tendências atuais, mas que carregam forte assimetria de retorno. Já no terceiro horizonte está a verdadeira opcionalidade: empresas capazes de redefinir setores inteiros, seja pela digitalização do sistema financeiro via stablecoins (Circle) ou pela criação de infraestruturas de IA especializadas (CoreWeave).

Assim, apesar da turbulência de curto prazo, mantemos a convicção de que ancorar a carteira do Tech Select em companhias que representam plataformas de crescimento de longo prazo é a escolha correta. O futuro da tecnologia na bolsa continuará a ser escrito em capítulos de volatilidade e disrupção, mas, para nós, a essência permanece: preservar a robustez do presente, explorar adjacências com disciplina e cultivar a opcionalidade que delineia as fronteiras da inovação.

Forte abraço,
João Piccioni
Chief Investment Officer

Disclaimer

Os fundos de investimento não contam com garantia do administrador do fundo, do gestor da carteira, de qualquer mecanismo de seguro ou, ainda, do fundo garantidor de créditos – FGC. A rentabilidade obtida no passado não representa garantia de rentabilidade futura. É recomendada a leitura cuidadosa do prospecto e regulamento do fundo de investimento pelo investidor ao aplicar seus recursos. Para avaliação da performance do fundo de investimento é recomendável uma análise de, no mínimo, 12 (doze) meses. Este fundo utiliza estratégias com derivativos como parte integrante de sua política de investimento. Tais estratégias, da forma como são adotadas, podem resultar em significativas perdas patrimoniais para seus cotistas. Os fundos multimercados com renda variável podem estar expostos a significativa concentração em ativos de poucos emissores, com os riscos daí decorrentes.

Baixe o PDF da carta aqui: